sexta-feira, julho 15, 2005

A Floresta da Fonte das Ratas


A floresta da Fonte das Ratas já não existe. Com lágrima no canto do olho escrevo esta crónica. Hoje aquelas dezenas de hectares, onde no passado místicas histórias de fadas, de duendes e de gambozinos à solta nos enchiam o imaginário, são hoje um amontoado de prédios. Eu não diria que os prédios são feios, ou que fiquem mal onde estão, até porque eu sou grande fã de paralelepípedos gigantes, recortados por buracos minúsculos a que alguns Patos Bravos chamam janelas ou até varandas.
Mas as lágrimas tornam-se ainda mais sentidas ao recordar Zacarias Tarzan. Era ele o Rei daquela Selva. Nela vivia, dela se alimentava. Zacarias era um homem inadaptado à vida urbana. Depois da tropa, onde tinha sido preso e posteriormente expulso por agredir um alferes com um cotonete usado, veio viver para o Vale da Amoreira. Meses depois, o desajustamento à realidade citadina, tornou-se um fardo difícil de carregar, era-lhe impossível conviver com os automóveis que teimavam a andar no meio das estradas, com o pudor das pessoas que o agrediam verbalmente por andar nu nas ruas, com as mordomias da casa que habitava. Acabou por se refugiar na Fonte das Ratas. Tornou-se Mito. Turistas de toda a parte procuravam fotografar o Homem Selvagem. Começaram a surgir rumores sobre o seu suposto parentesco com os BigFoot americanos ou os Yetis do Tibete. Puro equívoco. Embora as suas feições fossem de certa forma grotescas e os pêlos no nariz e orelhas lhe escondessem o sorriso, era sem qualquer dúvida um exemplar da raça humana.
Nunca mais ninguém soube de Zacarias Tarzan. Diz o sábio povo que nas noites de lua cheia ainda se ouve o seu grito. Ouvidos mais atentos dizem tratar-se de Licínio Chispes a tentar cantar o fado na tasca do Azedo. Outros ouvidos mais saudosistas juram que é ele, no terraço de um prédio alto, a chorar o fim da Fonte das Ratas.

3 comentários:

Suga_Mentes disse...

five stars ...

Suga_Mentes disse...

Vou deixar de vir ao teu blog , escreves tão bem , que começa a dificil controlar a inveja ...

Miguel Baganha disse...

Simplesmente GENIAL ...A forma subtil como a vertente humorística é dada, a um tema tão ecológicamente importante a nível mundial e notóriamente pessoal para o autor.(go ahead,you're in the right way)1 abraço!