quinta-feira, setembro 28, 2006

O Talk e o Mar – Parte II

A brisa entretanto transformara-se em vento. A doce lufada era agora um poderoso bafo gelado transportando salpicos de água salgada. A remada ficara um pouco mais difícil. Os dez centímetros de lâmina de água no casco já não eram a minha única preocupação.
É nestas alturas que nos perguntamos: “«Será que era mesmo para levar a sério a inscrição no bote que dizia: peso máximo 80 kg»? Ou então a outra mais dúbia: «Não deixe a sua criança levar sozinha o barco para a água»?”.
À medida que me aproximava do Poço, mais visível se tornava a sua riqueza. O mar agitado e o alvoroço das gaivotas, indicavam claramente a presença dum gigantesco cardume de tainhas. Estava na hora de preparar o anzol e lançar o isco na penumbra daquelas águas. A tarefa veio a evidenciar-se de execução complexa, para não dizer mesmo… impossível. Não é que não tivesse habituado a situações daquelas: o balanço do rio, o bote semi-afundado, o chinfrim das gaivotas. Tudo aquilo eram condições corriqueiras. Novidade mesmo era ir à pesca sem cana, fio ou anzol.
“Azar do caraças” exclamei eu. “Já nos safámos” pensaram as tainhas. “Vamos “obrar” em cima deste cromo” decidiram as gaivotas.
Poucos minutos depois, devidamente brindado com os dejectos da passarada, já não era o bote que me mantinha à tona de água, mas sim eu que evitava que desaparecesse para sempre nos lodos do Tejo. Valeu o meu lastro de grande nadador. Isso e as braçadeiras que vieram no pacote com o bote de borracha.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Escândalo na Liga Beta & Inna

Já se sente o fervilhar dos corações dos adeptos prontos para mais uma edição da Liga Beta & Inna.
Mais uma vez, o Fonte Pratense parte bem colocado para a vitória final. Desta vez espera-se que os 15 pontos de avanço com que começa o campeonato sejam suficientes para garantir o titulo, uma vez que os 9 pontos conseguidos na época passada não foram suficientes. Zé Caxias, director do clube e compadre do Presidente da Liga já veio a terreiro avisar: “Espero que o treinador e jogadores estejam cientes do esforço investido (e dinheiro gasto em petiscadas) para partirmos na poule position.”
O grande rival desta época do Fonte Pratense, o Grupo de Casados da GNR dos Brejos da Moita, parte com 3 pontos negativos. O Cabo Silva, vice-presidente da agremiação tentou explicar o sucedido: “O Sr. Presidente ficou desgostoso por causa dos torresmos. A culpa foi dos torresmos, sabiam a ranço… não podíamos fazer nada, o Talhos do Lombo estão comprados pelos da Fonte da Prata, isto é uma vergonha!!!”
Como se não bastasse esta trapalhada ainda surgiu outro problema. Buchas Moscatel, estremo valoroso do Restaurante das Tainhas, aparentemente parece estar mal inscrito na Liga. O Director Geral do clube e cozinheiro do restaurante disse de sua justiça: “Mandámos o papel errado para a sede da Liga. É que o Buchas, para além de jogador de equipa também foi contratado como ajudante de cozinha. Houve uma clara troca de papeis. Não o podíamos dispensar dessa tarefa, o tipo faz uma óptima caldeirada”. Na Liga a reacção não se fez esperar por parte do próprio Presidente: “Esse senhor devia era estar calado, ainda ontem fui lá ao restaurante e serviram-me tainhas assadas que sabiam a bafio… frescas diziam eles!!!”

quinta-feira, setembro 07, 2006

O Talk e o Mar – Parte I

A neblina matinal pairava sobre o rio. O cheiro a maresia misturava-se com o amoníaco fabril, com os dejectos caninos largados na praia, com os cheiros provenientes das pocilgas da região trazidos pela brisa, criando uma agradável amálgama de aromas.
A subida calma da maré, que tem o condão de esconder os esgotos e de cobrir os lodos tornando o rio navegável, atrai qualquer homem do mar para o seu destino. Foi essa atracção fatal que me levou até à praia para embarcar rumo ao Poço das Tainhas, em busca do “peixe perfeito”.
Encher aquele bote de borracha, ganho numa promoção na compra de bolachas baunilha no dia anterior no Feira-Nova, foi tarefa árdua. A bomba, comprada na loja dos chineses, revelou-se uma enorme desilusão. Por cada bombada desferida, um sopro de esvaziamento brotava do espaço que ficava entre a largura do pipo e a abertura de insuflação do bote. A fama chinesa para pipos pequenos, uma vez mais se comprovara. Restou-me o fôlego pulmonar. Já roxo, vislumbrei o imponente bote cheio, prontinho a deslizar sobre as águas. O metro e meio de comprido por noventa centímetros de largo reluzia no areal repleto de pulgas e cascas de canivetes. Era tempo de dar uso às pás do forno do Firmino e iniciar a viagem.
O Poço era já ali, entre a Ponta do berbigão e a carcaça virada do batelão das enguias. A ânsia de apanhar a pescaria duma vida precipitava-me os movimentos. Talvez por isso o bote se mostrava cada vez mais mirrado, vergado à força bruta do remador. Ou então era apenas do furo no casco… cada vez mais sonoro e largo.
Continua