quarta-feira, fevereiro 28, 2007

A Última Bala – Episódio II

Glamour City era uma pequena cidade do longínquo Oeste, limitada a duas ruas principais perpendiculares que formavam uma cruz. O local mais movimento era a Rua Direita, lugar onde pontificava o comércio de tecidos, especiarias e outras iguarias como tremoços, amendoins, queijo da Serra e alfarrobas. Era nesta rua que se situava o saloon.
The Kid e Búfalo Charm tiveram que percorrer cerca de 70 metros até chegarem ao cruzamento das duas ruas. Numa das esquinas, em frente à barbearia surgia imponente o edifício para o qual se dirigiam. No rés-do-chão existia um Restaurante Chinês com uma porta em alumínio lacado e montra de vidro fosco com caracteres chineses indecifráveis aos olhos ocidentais. No primeiro andar situava-se o Posto do Xerife. Uma porta de ferro semi-aberta, situada na fachada sem montra, com um letreiro dizendo Departamento do Xerife – Glamour City, dava acesso a uma escadaria de madeira. No topo das escadas, um open space de 40 metros quadrados. Sentado num enorme puff branco, junto a uma janela com vista para o deserto, encontrava-se Lucky Talk, o Xerife.
Embora estivesse sentado, notava-se que Talk era um homem bastante alto. O seu estilo era um misto de Capitão Iglo e Roy Rogers. Chapéu de marinheiro, colete preto, lenço, camisa azul clara, botas de cavaleiro castanhas, cachimbo adornado com efeitos de arte manuelina, barda de duas semanas. Estranhamente não se mostrou surpreso com a chegada dos dois cowboys.
- Bem-vindos ao meu modesto gabinete. Já faz alguns anos que não te via Kid. Que te fez vir aqui? Diz-me … estou curioso – Avançou Lucky Talk.
- Achei que me podias ajudar, em nome dos velhos tempos. Espero que não te tenhas esquecido do tipo que te ensinou a montar a cavalo, antes de te tornares cowboy, quando eras ainda um rapaz que sonhava em formar uma banda de Country Punk Rock.
Búfalo Charm mostrou-se surpreendido engasgando-se com a pastilha de nicotina que mascava, Lucky Talk riu à gargalhada elevando os pés e quase dando a cambalhota no puff. Passando alguns segundos respondeu-lhe:
- Ainda persigo esse sonho Kid. Em que te posso ajudar? Não me digas que estacionaste o cavalo em cima do passeio e queres que te perdoe a multa!
- Nada disso – retorquiu Stylish the Kid – Quero apanhar um comanchero de nome Peres Pestana, ele trapaceou-me. Só te peço para não te meteres no meio, é que a coisa vai ficar preta.
O semblante do Xerife ficou subitamente carregado. Charm apercebendo-se disso e antes que ele dissesse algo lançou a farpa:
- Não faças essa cara Talk. Onde está o tipo que em tempos desafiou a lei, fazendo o moonwalking dance do famoso músico Mike “Bonanza” Jackson, em plena parada do Forte del Plata, durante o juramento de bandeira? Tu já foste um rebelde, amigo.
- Isso foi noutros tempos pá. Eu detesto o Peres Pestana tanto quanto vocês, mas e as provas? Há meses que tento apanhá-lo. Todos sabem que ele é o chefe do contrabando de pêra Rocha e cereja da Beira em todo o Oeste, mas ainda não conseguimos reunir as provas suficientes para indiciá-lo.
- Provas? Eu dou-te as provas. Aqui as tens – Estendendo o braço por detrás das costas, the Kid entregou uns papéis em folha A4 quadriculada ao Lucky Talk – São provas irrefutáveis. Trago-as comigo desde Dio Farming City.
Olhando para aquela folha rabiscada, Talk esboçou um sorriso de esperança e contentamento.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A Última Bala (Reedição)– Episódio I

Este blog fez anos no passado dia 18. Pouco tempo falta para fazer dois anos que eu aqui comecei a escrever. Posto isto e como ando numa fase chármico-nostalgica vou reeditar a história que mais gozo me deu escrever. Pode não parecer mas nesta história está lá tudo… ou melhor… não está lá nada!
O Saloon
O saloon era como todos os saloons. O soalho de madeira, a escadaria que nos leva ao “paraíso”, o bar com a caleira do cuspe cheia como um rio no Inverno, o piano, as mesas da batota, os quadros com nós de marinheiro pendurados nas paredes, o poster do Glorioso.
A entrada de Stylish the Kid encheu de inquietude todos aqueles que se encontravam no saloon. Os batoteiros estremeceram de medo, parando a jogatana, os “comancheros” locais largaram os copos de whisky importado, as bailarinas/concubinas sentiram os corações a bater mais intensamente, o piano deixou de tocar. Stylish tinha a fama de grande pistoleiro. O seu estilo inconfundível e perturbador causara um impacto brutal na memória colectiva do Oeste. Enfrentava sempre os seus inimigos de costas, sem os olhar nos olhos. Aliás, era assim que andava, montava a cavalo, bebia a sua água ardente, limpava a arma, lia a Bíblia. As suas vestes eram dum estilo Oeste-punk-rockeiro. Vestia-se todo de negro, de calções pelo joelho, camisa por fora, gabardina até aos pés, chapéu de cowboy e botas de camurça.
Mas houve quem não se tivesse apercebido da sua chegada. Búfalo Charm encontrava-se sentado numa mesa lendo um manuscrito, bebendo uma laranjada e comendo um bolo de arroz. Este era um típico cowboy, as patilhas, a samarra castanha, as calças de bombazina cinzentas, o sombrero amarelo, os dois cigarros na boca.
Stylish aproximou-se de Charm, ignorando os olhares apreensivos que o seguiam e disse:
- Então já não se fala aos amigos?
Búfalo Charm olhou-o e replicou:
- Estás a falar comigo? Bem deves estar… não estás de costas para mais ninguém! Que te trás por cá Kid?
- Ajuste de contas. As dívidas são para ser pagas. Em tempos um tal de Peres Pestana contratou-me para um serviço, queria que eu abatesse dois perus que não paravam de o chatear, em troca eu receberia um saco de gomas e dois fardos de palha.
- Gostas de gomas?!
- Não. As gomas são para o cavalo. Bem…o trabalho foi feito e recebi apenas os fardos de palha. Venho buscar as gomas, detesto que maltratem o meu cavalo.
- Bem amigo Kid… aqueles comancheros que estão ali borrados de terror a olhar para nós são lacaios do Pestana, ele brevemente saberá da tua presença. Podes contar comigo mas temos um problema…
- Qual Charm?
- O xerife cá de Glamour City é um velho conhecido nosso, o Lucky Talk. E tu sabes como é ele com estas coisas da lei e da justiça, é um atadinho, sempre a cumprir a lei …sempre a cumprir a lei!!!
- Vamos lá então falar com o nosso amigo xerife.

domingo, fevereiro 18, 2007

Crazy...i'm wet baby...please post something!!

Easy darling. Later, later...Slow down your patchouli addict.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Maré-cheia – Reedição

A uma maré-vazia sucede-se uma maré-cheia. O rio tem os seus ciclos, tal como a vida. É bom ver os lodos cobertos pelo prateado do Tejo, ouvir o chapinhar das tainhas, cheirar a maresia trazida pelos ventos do norte. É para esses momentos que vivo. É neles que me inspiro.
Partir pela manhã na minha herdada barcaça, na subida da maré, indo até à Ilha do Rato, é um ritual que sigo desde que me lembro de existir. Comecei esta romaria com o meu Avô, o saudoso “Custou” Caxias. A alcunha provém das semelhanças físicas e de hábitos com o velho lobo-do-mar francês. O meu avô era um homem fantástico, com uma cultura alicerçada nas horas passadas a jogar à bisca lambida com outros marinheiros, com um charme capaz de derreter uma estátua de bronze, com um sentido de humor capaz de fazer chorar a rir um tronco dum chaparro ressequido pelo Sol. Para além de marinheiro e estudioso do mar foi também um grande mecenas, tendo criado a famosa e tantas vezes incompreendida Fundação Caxias.
A Fundação, com sede na Tasca do Azedo, tem a responsabilidade cívica de apoiar jovens com valor, nomeadamente jogadores de dominó, do chinquilho, futebolistas, poetas, músicos e todos aqueles que de alguma forma desejam viver da sua arte. Os tipos de apoio variam consoante a qualidade e experiência a nível artístico, podendo ir desde a motivante palmadinha nas costas até à entrega duma bolsa mensal. A bolsa pode alternar entre o azul-bebé, o rosa choque e o preto e tem fecho éclair. Contém várias coisas no seu interior como uma malha, canetas Bic (laranja e cristal), um baralho de cartas, dois bilhetes de autocarro dos Colectivos do Barreiro, saquetas de Ultra-levur e um after-shave da loja dos trezentos.
Agora vou porque o tempo escoa. A Ilha do Rato espera-me para lá deste mar-chão. Voltarei na descida da maré, isto se o casco decidir que ainda não é hoje que se rende à investida do rio ou se, como diz a lenda, a Ninfa me raptar e me mantiver cativo (contra a minha vontade, claro) nos areais da Ilha. Se esta última coisa me acontecer não se incomodem a pedir ajuda, eu cá me hei-de desenrascar!

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Tentando irritar Budistas II

- Hã?! Eu não! Como é que…
- Não me contrarie por favor, diga lá. Isso se quer que eu o ajude a ultrapassar esses traumas…
- Eu só vim cá por causa das aftas que costumo ter quando como cascas de tremoço…
- Meu caro… não negue… não me insulte (isto é dito mantendo um ar irritantemente calmo e abichanado).
- Mas com estas três respostas concluiu que eu tenho problemas psicológicos?!
- Os testes são milenares. Não há engano possível. Não negue que tem problemas.
- Milenares?! Mas o Pai Natal tem mil anos?!
Com esta pergunta senti uma ténue esperança em recuperar a minha caderneta do Sport Billy e conquistar a caderneta de cromos da Abelha Maia da Titá. O tipo remexeu-se na cadeira, respirou fundo e disse:
- Já vi que não quer ser ajudado. Veio aqui afinal fazer o quê?
- Por causa das aftas… mas por favor explique-me lá porque é que as respostas indicam que eu estou maluco? Foi por causa da altura do Pai Natal?
- Não só meu caro. O teste no seu todo revela perturbações…
- Mas são apenas três perguntas! Até a TV Guia faz testes mais completos, você é um charlatão!
- Calma… não se exalte isso apenas vai piorar o seu estado.
- O meu estado?! Vai mas é pentear macacos meu grande palhaço, pensas que eu não me lembro de ti a enfardares porrada no liceu porque eras um cromo?!
- Pronto Talk tenha calma, respire fundo e isso passa… Talk? Talk? Venha cá que a gente oferece um cházinho… Talk?

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Tentando irritar Budistas I

Mestre Shakar, ou Zé Rui para quem o reconhece por detrás da túnica alaranjada e da cabeça rapada, é budista. Perito em medicina oriental, em Yoga e outras artes afins, mantém uma aparência de pura acalmia, de bem com o universo circundante, suavizada pelos seus indisfarçáveis tiques de gay.
No outro dia fiz uma aposta: “Eu consigo tirar do sério o Mestre Shakar”. A minha amiga Titá, cliente dele desde que lhe apareceram os soluços compulsivos sempre que ouve uma música do Nat King Cole cantada em espanhol, passa o tempo a gabar a profunda tranquilidade de Shakar: “Impressiona olhar para a sua expressão tranquila enquanto tento acertar, com papéis enrolados, numa jarra Ming que o tipo tem em cima da prateleira”.
Com a minha colecção de cromos do Sport Billy em risco, lá parti eu até ao consultório do Mestre. Antes de entrar no gabinete a sua assistente deu-me um questionário para responder, com as seguintes três perguntas:
- Dorme bem durante a noite?
- Qual a sua cor favorita?
- Qual a altura do Pai Natal?
Respondidas as questões com um “Sim”, um “Azul” e um “Como é nórdico... deve ter para ai um metro e noventa”, entrei no gabinete. Shakar, após me cumprimentar com um aceno quase imperial fez a seguinte pergunta?
- Senhor Talk Talk, vejo pelas suas respostas que é uma pessoa bastante perturbada, qual é o seu problema?
(continua)

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A Tropa

Diz-se que a tropa faz de nós uns homens. A mim fez-me mais do que isso, tornou-me num homem prendado. Não só aprendi a atar atacadores de botas e a tomar banhos de três minutos, como ainda descobri uma maneira rápida de fazer a cama, dormindo na cama despojada do gajo que tinha desistido na semana anterior!
Ainda bem que não é todos os dias que acontece a semana de campo. É uma coisa chata, particularmente no Inverno e sobretudo se estivermos com diarreia. Como sou um tipo com alguma sorte a semana de campo foi no Outono, mas como sou desprevenido tive que me valer das folhas de eucalipto e duma carta que tinha recebido. Felizmente era apenas uma carta de amor.
O último dia da primeira semana de campo foi... estranho. Para além de ter depositado “minas” praticamente em todo o perímetro do acampamento vim a descobrir que o “Salvatore”, meu camarada de armas, andava com os “parafusos trocados”.
Tinha caído a noite, era hora de provar as delícias da ração de combate:
- Então Talk, que tal está o paté? – Perguntou-me o “Salvatore”.
- Ah… não é mau, mas já provei graxa para sapatos mais cremosa do que esta pasta… – Respondi-lhe eu.
- Pois… eu também não estou a gostar desta pastilha elástica, sabe mal!
- Pastilha elástica?!
- Sim… é essa coisita que tens ai no fundo da caixa?
- Ah ok, esta coisita aqui?!
- Sim sim.
- “Salvatore” esta coisita não é uma pastilha elástica…é um fulminante pá!
- Fulminante?! Isso é aquilo para ajudar a fazer fogo?!
- Sim isso. Tem calma … desde que não ponhas um fósforo na boca nem ranjas os dentes podes continuar a mascar isso na boa.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Dar Autógrafos

Não gosto de dar autógrafos! Não é pela falta de jeito para fazer a minha rubrica, naquela já clássica indecisão em usar a mão esquerda ou o pé direito. Também não é por ter a mania que sou vedeta, deslumbrado pelo meu sucesso. No fundo sou um tipo discreto que gosta de passar despercebido, embora a coisa não seja fácil.
Mas por vezes temos mesmo que dar autógrafos. Não podemos desiludir as fãs. Especialmente se são educadas e principalmente se o autógrafo servir para uma boa causa. É uma dessas situações que me proponho a contar hoje:
Saía eu do Café do Parque quando uma jovem bem apessoada se abeirou de mim:
- Olá, peço desculpa… podia assinar-me isto?
- Bem… pode ser pode ser… estou com um pouco de pressa mas tudo bem… Qual o seu nome?
- Porque é que quer saber?
- Então para pôr no autografo?!
- Ahahahahah. Você é muito engraçado. Não é preciso… basta uma assinaturazita. Já agora, não quer saber para que é a petição?
- Petição?! Isto é para uma petição? Não é porque gosta dos I-Glamour e em especial de mim?!
- I-Glamour? Gostar de você? Desculpe… mas… não estou a perceber, eu nem o conheço…
- Não conhece o Talk Talk? Ah, isto anda bonito anda…pronto, tudo bem…. Qual é a causa?
- É para exigir que a Câmara construa um novo canil.
- Ok, eu assino. Nós músicos defendemos as boas causas…
- Ah, eu vi logo que era músico!
- Por causa do ar cool claro?
- Hã?! Não não… por causa da guitarra que traz às costas.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Redescobrindo Facadas Canhoto

Facadas Canhoto é mais do que um poeta popular, mais do que um treinador de futebol perito em tácticas e metodologias de treino pouco ortodoxas e mais do que um amolador de malhas do chinquilho. Facadas Canhoto é um homem com duas alcunhas. Por isso fomos falar com ele:
- Facadas, você é a única pessoa que conheço que acumula duas alcunhas. Qual a origem de Canhoto?
- Vem do meu pai.
- Ele era esquerdino portanto?
- Não.
- Então?
- Era “direito”.
- Então porque é que lhe chamavam Canhoto?
- Vem do pai dele.
- Esse sim era canhoto então?
- Acho que não. O desgraçado do velho batia-me sempre com a mão direita.
- … e Facadas?
- Facadas vem do facto de eu ter andado no mundo dos faquires.
- Ah foi?! Uau, não sabia…
- Foi foi. Mas tive que desistir. Chegaram à conclusão que eu não tinha nascido para aquilo.
- Falta de pontaria a lançar as facas?
- Não sei. Nunca lancei nenhuma. O meu trabalho era afiar facas, pregos e coisas do género ao faquir, a bem dizer era eu que lhe fazia a cama. Pelos vistos não afiava com suficiente mestria. O gajo acordava todos os dias com dores nas costas.