sexta-feira, setembro 30, 2005

O Rapto de Mogodochi – Help me Rhonda


Ao cabo de duas horas de caminho, com o fim das montanhas e com a ameaça feita a Baka de que nunca mais comeria morangos silvestres com açúcar, se insistisse na sua dança disco-terramótica, a viagem tornou-se suportável e até agradável. A Auto-Estrada, por enquanto livre de portagens, entre Niitsumy City e a Floresta Branca, era um verdadeiro regalo para a vista.
Uma tabuleta indicando “Lago da Serpente – 7 km”, quebrou a monotonia da viagem, provocando uma saída da Auto-estrada. O autocarro transportando o grupo de Guerreiros Niitsumy entrou de seguida numa estrada esburacada, estreita demais para o cruzamento de dois veículos. A orla da floresta branca surgia à esquerda e em frente. Do lado direito o lago. A estrada terminava estranhamente à entrada da floresta. Uma Placa dizendo “Cuidado! Afaste-se da Floresta e não tome banho no Lago porque pode acordar o Bicho!”, fez estremecer a confiança do grupo. Mesmo assim penetraram no negrume em busca da casa de Rhonda, a Feiticeira Vidente. Desde cedo, o sexto sentido niitsumico indicava que estavam a ser observados.
O som de água corrente quebrava o silêncio da Floresta. Uma elevação rochosa lembrando uma muralha surgia à sua frente. Uma enorme cascata caía da elevação formando um pequeno lago. A floresta envolvia o conjunto criando um cenário de rara beleza. No centro do lago existia uma pequena ilha com um prado verdejante, que não teria mais de 50 m2, com uma espécie de torre em madeira no centro.
Juanito Caracas, Niitsumy Venezuelano tomou a iniciativa e gritou:
- Hey, Senhorita Rhonda… somos Niitsumy, queremos falar consigo.
Nisto ouviu-se um som fortíssimo e continuo a fazer lembrar o motor de um avião. A torre abriu-se e transformou-se numa ponte, ligando o local onde eles estavam à outra extremidade do pequeno lago, mesmo no centro da cascata.
Os Niitsumy atravessaram a ponte, passando por debaixo da cascata entrando numa gruta. Era um autêntico apartamento de luxo, uma enorme sala, com sofás vermelhos e um enorme tapete de Arraiolos no chão. Nas paredes um enorme retrato da feiticeira e uma pintura abstracta. Não haviam cadeiras nem mesas, apenas um trono de pedra num canto, talhado na rocha, onde com um ar austero Rhonda observava os visitantes. Era uma mulher magra, morena, cabelo ondulado preto, de idade completamente incerta. Vestia uma espécie de combinação preta com meias transparentes. Umas botas e um blusão de cabedal pretos completavam a sexy toilette (qualquer semelhança com a Cher é pura coincidência). Sem deixar que se apresentassem Rhonda exclamou:
- Primeiro deixem-me que lhes diga que não tenho chá nem bolinhos para tanta gente. Segundo, eu sei o que vos trás por cá mas recordo-vos que não trabalho de graça para ninguém, nem para vocês…
Dinheiro. O eterno motor da Humanidade. Mas este grupo de Guerreiros Niitsumy estava sem ele. Num momento de inspiração Talk Talk segredou ao ouvido de Charm. Em seguida os dois começaram a estalar os dedos, o refrão começou a ouvir-se…”Help me Rhonda, Help Help me Rhonda…” Os outros Guerreiros, lembrando-se do êxito dos Beach Boys começaram a acompanhar. Foi a loucura. Vinte tipos em uníssono cantarolando o “Help me Rhonda” de braços abertos na direcção da feiticeira. A gruta possuía uma acústica extraordinária. Foi o suficiente:
- Pronto, pronto…vocês são uns queridos – Disse Rhonda já com um semblante amigável e denotando alguma comoção – Mogodochi não foi raptado. O homem apenas quis tirar umas férias. Estava farto disto. Du Frak, o Yeti Cobrador de Cotas, falou-lhe duma discoteca em Portugal, na Margem Sul…uma tal de Cleópatra. O Grande Mestre achou que era a altura ideal para se divertir um pouco. Foi simplesmente abanar o capacete.

quinta-feira, setembro 29, 2005

KIT Patanisca

Fazendo uma pequena interrupção na Saga dos Guerreiros Niitsumy, venho relatar-vos uma iniciativa louvável na minha mui amada região.
O recém-formado C.T.A. é um clube recreativo e cultural que visa apostar na formação de jovens jogadores de Descascamento de Ervilhas e de Chinquilho. Aproveitando o apoio camarário às colectividades, Luís Azedo, proprietário da Tasca com o seu nome e presidente da Associação dos Descascadores de Ervilhas e Favas, tomou a iniciativa de criar oficialmente este clube, que no entanto já existia informalmente, impulsionando vigorosamente as modalidades referidas.
Para promoção do Clube e angariação de novos sócios, Azedo criou este conceito do KIT Patanisca. Trata-se duma caixa de sapatos vazia da Sapataria Pezinho no Lavradio, forrada com papel de embrulho lilás, que contém o seguinte no seu interior:

  • Um cartão de sócio com cotas pagas até Dezembro de 1998.
  • Um exemplar autografado pelo grande Zé Caxias de “As Caxíadas”, manuscrita por “Facadas” Canhoto em tinta permanente.
  • Uma cassete pirata interactiva com o último álbum dos i-glamour. Apresenta fotografias dos membros da banda em calções de banho na Praia do Rosário.
  • 2 Passagens para um Cruzeiro pelo Mar da Palha, com direito a estadia na Ilha do Rato e a uma caixa de ração de combate (atenção que aquelas coisinhas pretas são fulminantes e não servem para mascar).
  • O direito a duas semanas de bar aberto na Tasca do Azedo, aplicável apenas a copos 3 e ginjas.
  • Uma miniatura do carro do Michael Knight de “O Justiceiro” (versão brasileira).

O KIT Patanisca pode ser adquirido em qualquer posto de gasolina “Amílcar Canhoto”, no quiosque da Dona Maria nas Salinas de Alhos Vedros ou então na própria Tasca do Azedo.
Em conversa tida connosco, entre uma dúzia de minis e um papo-seco com manteiga, Luís Azedo garantiu-nos que se o Clube não atingisse as duas dezenas de sócios até ao fim do ano desistiria do projecto. Vamos acreditar nas palavras do Luís e vamos lutar pela Colectividade. Nós já adquirimos o nosso KIT e tu?

quarta-feira, setembro 28, 2005

O Rapto de Mogodochi – Reunião


Ainda o Sol teimava em não nascer e já oito autocarros, estacionados à porta do Hotel, se enchiam de Guerreiros Niitsumy trajados de acordo com o protocolo niitsumico. Os chinelos castanhos, a túnica amarela, o cinto preto, o chapéu também preto a lembrar uma caravela quinhentista, o cajado de pau de chu (madeira de alta densidade), a espada variável consoante o gosto de cada um.
O autocarro onde viajavam Crazy Charm e Talk Talk era conduzido por Loin Baka, um Yeti bonacheirão viciado em pastilhas gorila e em música Disco. Enquanto conduzia, Baka ia mexendo os ombros em movimentos contínuos e ritmados, ao som de êxitos dos Bee Gees, dos Cool and the Gang ou de Olívia Newton John. Esta dança, embora razoavelmente cool, provocava um medonho balancear no pequeno autocarro, lembrando uma barcaça no meio de uma tempestade no mar.
O Templo Azul, para onde se deslocavam os Niitsumy, era o primeiro dos sete Templos. Encontrava-se situado junto a um ribeiro, num pequeno vale, donde era possível ver Niitsumy City e o Lago da Serpente lá bem no fundo. Olhando na direcção oposta vislumbrava-se no topo de uma montanha o Templo Doirado, o 7ª, a Casa de Mogodochi, o Supremo.
O Templo Azul era um edifício enorme de formato cilíndrico, com mais de 16 metros de altura e 30 metros de diâmetro, pintado exteriormente de azul-escuro, totalmente construído em madeira. A cobertura era constituída pela folhagem de 4 enormes árvores cujos ramos iniciavam à altura do topo do edifício. As copas das árvores eram tão espessas que quando chovia apenas brotavam fios de água, pelos troncos das árvores, para o interior do Templo.
Chegados ao destino, ainda almareados pelas curvas da montanha e pelo balanço do autocarro, desceram uma escadaria de pedra, junto à entrada sul do Templo. Os degraus talhados na rocha conduziam os guerreiros para uma gruta, de onde por um corredor, iam sendo guiados para uma antecâmara relativamente grande. Esta sala tinha algum conforto: música ambiente, luz eléctrica, chão alcatifado, cadeiras almofadadas dispostas em filas. No fundo um pequeno estrado em madeira com uma mesa rectangular com 7 lugares. Eram os lugares dos Mestres de Templo, os Tashidochi. Na hierarquia niitsumica ocupavam o topo, logo a seguir a Mogodochi.
Os cerca de 600 Niitsumy convocados ficaram sentados em silêncio ouvindo as palavras de Lu Ting, o mais velho e sábio dos Mestres.
Ninguém fazia ideia onde poderia estar Mogodochi. Presumia-se que tinha sido raptado pelos terríveis Minochi. A solução passaria por viajar até à Floresta Branca e procurar as visões de Rhonda, a feiticeira. Restava saber quem iria executar tal tarefa. Foram escolhidos vinte Guerreiros Niitsumy ao acaso, entre eles estavam Talk e Charm.
O pânico transpareceu das suas faces quando repararam que a viagem seria feita de autocarro e Baka seria de novo o motorista.

segunda-feira, setembro 26, 2005

O Rapto de Mogodochi – Cheira a Lisboa


Niitsumy City estendia-se num planalto repleto de verdejantes campos, onde estranhamente não caía neve. Era composta por ruas geometricamente alinhadas, de casas baixas com grande influência arquitectónica europeia, construídas em pedra e com cobertura em telha cerâmica de cor vermelha. Com a proliferação mundial dos ideais niitsumicos ao longo da primeira metade do século XX, muitos ocidentais aderiram ao movimento, pelo que a cidade foi-se desenvolvendo e transformou-se naquilo que é hoje. Para além de Guerreiros Niitsumy viviam nela humanos autóctones, curiosos do movimento, Yetis, bandochis (tosquiadores de Yetis), duendes, caçadores de gambozinos, negociadores de unhas de Yeti, feiticeiros e muitos outros.
Crazy Charm e Talk Talk, apanhando o Mats Borg distraído, saíram sorrateiramente do Hotel e rumaram a Litle Portugal, um castiço bairro na zona norte da cidade. Logo a seguir à mercearia do Teves, que se situava no nº 31 da Rua de Camões, surgia um pequeno beco donde provinha um tremendo cheiro a urina. No meio do beco existia uma arcada, que escondia parte da tabuleta de madeira identificativa duma taberna que dizia “East Mouraria”. Em passo apressado os dois amigos entraram no estabelecimento.
A taberna era tipicamente portuguesa. Pavimento em cerâmico hidráulico, bancos de madeira, mesas com tabuleiro de damas desenhado, cartazes do Zé-povinho a afastar os fiados, balcão com tampo a imitar mármore, galos de Barcelos espalhados por todos os cantos. O calor humano era brutal. Mais de cem pessoas de diferentes origens divertiam-se duma forma salutar e extremamente barulhenta. Os dois Niitsumy eram a par da proprietária da taberna os únicos portugueses que lá se encontravam. Dona Maria da Conceição Li era luso-chinesa e tinha adquirido o estabelecimento após anos de trabalho numa casa de fados em Macau, onde tinha sido cantadeira, guitarrista e cozinheira de petiscos típicos.
Com a entrada dos lusos, um grupo de vinte monges budistas que se encontrava em trânsito para a Índia, reparou nos seus tons de pele e fisionomia. Em tibetano um deles referiu em voz alta, “São portugueses e são Guerreiros Niitsumy”. Nisto fez-se silencio. Dona Maria entusiasmou-se e em forma de dedicatória, com dois Yetis a acompanhar na guitarra, iniciou o conhecido fado “Cheira a Lisboa”. É então que acontece algo de inesperado: os monges, munidos de canecas de barro cheias de vinho tinto da zona do Douro, que balanceavam na cadência da música, começaram a cantarolar um inicialmente tímido “lalala lalala lalalala”, transformado rapidamente num brutalmente sonoro “LALALA LALALA LALALALA”.
Uma lágrima caiu da face dum comovido Talk Talk. Crazy Charm limitou-se a sorrir e disse: “Isto é qualquer coisa de extraordinário, Yetis de 3 metros a tocar guitarra portuguesa”.

sexta-feira, setembro 23, 2005

O Rapto de Mogodochi – Recordações


Tinha sido fretado um avião para transportar todos os Niitsumy europeus. Portugal era o último país da escala. A viagem seria agora directa, até ao Aeroporto Internacional Mogodochi, Base Niitsumica – Tibete.
A viagem parecia durar uma eternidade. Borg ressonava desalmadamente. Talk conversava com uma hospedeira holandesa, trocando impressões sobre… futebol e pastéis de bacalhau. Charm estava envolto em pensamentos, memórias de tempos passados. Recordava os seus primeiros treinos na arte marcial niitsumica.
Foi em 1986, que Albert MacCosta, um Mestre Niitsumy luso-escocês, nascido em Serpa e criado em Glasgow, o descobriu num Corta-Mato na Quinta da Fonte da Prata, concelho da Moita. O pequeno Charm corria como se o amanhã não existisse. Albert detectou a sua apetência para se tornar num valoroso Guerreiro Niitsumy. Convenceu os seus pais e levou o petiz para a Serra da Arrábida ministrando-lhe intensos treinos durante anos. Foi ai que Charm conheceu Talk Talk.
Os seus pensamentos transportavam-no para a primeira viagem que fez ao Tibete. Recordava-se de caminhar na neve durante dias, de sentir um frio que se entranhava nos ossos, de ouvir constantemente as criticas do seu velho Mestre, naquele estranho sotaque meio alentejano meio britânico: “Charm, anda lad…não fiques para trás senão levas nos cornos”, “Fogo…está um frio do catano pá, estou farto desta merda”.
Albert MacCosta estava agora na reforma. Gozava os seus dias de descanso numa quinta na Serra do Caldeirão, onde cultivava alfarrobeiras e laranjeiras. Era um homem na casa dos 70, alto e magro, barba branca, moreno, culto, apreciador das coisas boas da vida. Tratava-se dum verdadeiro cavalheiro que adorava misturar as duas culturas donde provinha: Kilt e samarra alentejana, whisky e azeitonas, golfe e jogo da malha.
Os avisos do comandante fizeram despertar os sentidos em Crazy Charm. Borg acordou finalmente aliviando os ouvidos dos outros passageiros.
Olhando pela janela era possível vislumbrar o território controlado pelos Niitsumy. Seria uma área com o dobro do tamanho da península de Setúbal. A norte as montanhas Sagradas, local dos Sete Templos, a casa de Mogodochi. A sul a Floresta Branca e o Lago da Serpente, local mágico repleto de feiticeiros e duendes. A leste as Grutas de Mi Rah Dari, terra dos Yeti, os abomináveis homens das neves. A oeste a interminável cadeia montanhosa.
Aterrado o avião, com mais um galo na cabeça de Borg, foi tempo de partir para o Hotel White Bigfoot em Niitsumy City, a 7 km do Aeroporto.
A reunião de urgência dos Guerreiros Niitsumy estava marcada para o dia seguinte nas montanhas Sagradas, na cave do Templo Azul. Agora era altura de rever velhos amigos, revisitar locais queridos e retemperar forças para os desafios que se adivinhavam.

quinta-feira, setembro 22, 2005

O Rapto de Mogodochi - "Red Alert"




(Janeiro de 1997)

Andar de Cacilheiro é, para quem o faz todos os dias, algo absolutamente banal. É estranho olhar para dezenas de faces absolutamente desinteressadas em relação ao que as rodeia, concentradas unicamente nos seus pensamentos, reflectindo por certo no seu dia-a-dia, nos seus problemas.
No entanto para Mats Borg tratava-se de uma experiência cativante. A luz natural da cidade, a ponte, o rio, as gaivotas, tudo fascinava o sueco na travessia do Tejo. Borg era um homem enorme com mais de 2 metros de altura, ombros largos, pele muito branca, cabelo comprido ao estilo Michael Bolton, com vestes simples mas demasiadamente frescas para a época. Era a sua primeira visita a Portugal. Infelizmente não vinha por bons motivos. Mogodochi, o chefe supremo dos Niitsumy tinha sido raptado e encontrava-se em parte incerta. Era altura de reunir todos os Guerreiros na sede espiritual niitsumica, situada no Tibete. A missão do Niitsumy Borg era trazer consigo os dois únicos portugueses que eram actualmente Guerreiros Niitsumy: Crazy Charm e Talk Talk.
Rapidamente o barco tinha chegado ao seu destino, Cacilhas. A atracagem correu na perfeição. O sueco ao levantar-se da cadeira esqueceu-se por completo da diferença entre ele e o pé direito do 1º andar do barco. A pancada na cabeça provocou umas palavras indecifráveis na sua língua materna e um enorme galo na calvície mal disfarçada. Tinha indicações para apanhar o autocarro da Costa da Caparica ou o da Trafaria e sair no Monte da Caparica. Por azar havia um plenário de trabalhadores da Rodoviária. Sem hesitar Borg optou por sacar o pequeno mapa e um walkman que trazia na mochila. Lançou-se de seguida numa corrida desenfreada em direcção ao Monte da Caparica ouvindo o tema “Voulez vous” dos ABBA. Subindo a avenida na direcção do Pargal quase parecia coreografado com o tema que escutava nos fones.
Entretanto no refeitório da Universidade Nova, no Campus do Monte da Caparica, Charm e Talk encontravam-se com um grupo de amigos, entretidos entre torradas, anedotas e improvisos musicais com talheres. Era usual este género de convívio. Numa mesa ao lado Mr. Stylish lia a sina a uma moçoila aflita, enquanto outras três aguardavam ansiosamente pela sua vez. As consultas eram (aparentemente) grátis.
É então que aquela enorme figura escandinava entra apressadamente no refeitório. Ao olhar para a sua esquerda avista os dois guerreiros e levantando o braço direito exclama num inglês demasiadamente carregado pela pronuncia nórdica:
- Hey Charm, Talk, come with me. Mogodochi need us…come on.
A perplexidade geral provocara um silêncio absoluto. Todos olhavam espantados para aquele sueco gadelhudo e meio careca e para a reacção que os dois amigos tiveram ao vê-lo.
Charm e Talk sem se despedirem e sem darem qualquer tipo de justificação levantaram-se e correram na direcção de Borg. Em poucos minutos estavam no interior dum táxi a caminho do Aeroporto. Com uma breve troca de palavras entre Borg e os dois portugueses a situação foi explicada. Os maléficos Minochi, inimigos milenares dos Niitsumy, tinham raptado Mogodochi, o Supremo. Pouco mais se sabia. A tensão era enorme entre a comunidade niitsumica. As repercussões de tal acto eram de momento totalmente imprevisíveis. O “Red Alert” estava lançado.

terça-feira, setembro 20, 2005

Esquadrão (da) G(inja)

Um jantar de bacalhau cozido, regado a vinho tinto é normalmente uma magnífica fonte de ideias para Zé Caxias e para o seu grupo de amigos. No Restaurante “O Eucalipto”, situado na solarenga Baixa da Serra, juntaram-se cinco companheiros de longa data à volta duma mesa, para uma reunião de trabalho onde se discutiram variados temas, desde a candidatura de Chispes à Presidência da República, a elevação do Bife com Ovo a Cavalo da Tasca do Azedo a Património da Humanidade ou a redefinição da estratégia de venda do KIT Patanisca dos i-glamour.
Mas o tema principal trazido à mesa foi outro. Zé Caxias, Licínio Chispes, “Facadas” Canhoto, Crazy Charm e Pedrito Bodega decidiram criar o denominado Esquadrão (da) G(inja). A ideia é ajudar o homem português a tornar-se mais masculinizado, menos sensível, menos apegado às modas tão próprias do sexo feminino, para que este consiga satisfazer na plenitude a sua esposa e caso as tenha, as suas amantes também.
Zé Caxias, Comandante Supremo do Esquadrão terá a seu cargo a área “Sedução e Iscas com Elas” dando ênfase a técnicas de engate e de estimulação do arrebatamento feminino. Crazy Charm ocupar-se-á do “Charme e Estilo”, preocupando-se com a imagem do homem e com os seus modos, procurando limpar por completo a tendência actual que o homem português tem para se esquecer dos seus gestos tradicionais. Pedrito Bodega encarregar-se-á da área da “Intelectualidade”, dando dicas do modo como o macho lusitano deve ocupar os seus tempos livres. “Facadas” Canhoto será responsável pela área “Vinho Tinto” abordando temáticas como a melhor maneira de lidar com o binómio mulher/vinho. Licínio Chispes é o individuo encarregue da disciplina “Gourmet Macho”, ensinando o homem a cozinhar à homem, fazendo-o esquecer todas aquelas mariquices de cozinha francesa e coisas do género.
Com o Esquadrão, faremos um programa bloguista que será publicado aqui no espaço dos I-Glamour. Os nossos Soldados da Masculinidade aguardam os pedidos de desespero de homens que se sintam inseguros, cheios de tiques afeminados ou com outras patologias da masculinidade.
Não perca o Programa Piloto brevemente num Blog perto de si.

segunda-feira, setembro 19, 2005

A Última Bala – Episódio VIII


A vigarice que tinha feito a Stylish the Kid, veio de repente à memória de Peres Pestana. A sua vida corria perigo, tudo porque não cumpriu com a sua palavra. Mas Pestana era por demais ambicioso, não queria abrir mão das gomas, mesmo que a sua vida dependesse disso:
- Eu tentei Kid – disse Pestana em tom dramático falseado – Eu juro que tentei. Mas não encontrei, nem consigo encontrar gomas pá. Não podemos negociar outra coisa?
- Não – disse irritado Lucky Talk, imprimindo um potente murro numa mesa – não são apenas as gomas. Tu és um bandido, temos um mandato para te levar. Vais mas é para o chilindró, meu vigarista duma figa.
- Atenção que o tipo tem direito ao tal duelo – lembrou Búfalo Charm – o decreto-lei 207 que vem revogar o 132 diz isso mesmo.
- Mas o 207 já não foi revogado pelo 314? – Questionou Lucky Talk.
- Não pá. Esse é o que foi revogado pelo 318 e que por sua vez veio revogar o 106 – respondeu Búfalo Charm.
- Não tenho a certeza disso – afirmou desconfiado Lucky Talk.
- Pois eu acho que foi o decreto 35 que foi revogado pelo 318 – acrescentou ainda Holiday Sparks.
- Com lei ou sem lei, decreto ou sem decreto vamos ter duelo – interrompeu Stylish the Kid – o meu cavalinho não é engano por ninguém. Vais defrontar-me Pestana.
E assim foi. Começaram os preparativos do duelo. Seria um duelo à antiga, com arma de fogo. Uma única bala em cada pistola. Um padrinho para cada oponente. O padrinho de Stylish seria Búfalo Charm. O escolhido de Pestana, não havendo nenhum homem de sua confiança disponível, seria Requi, o burro de carga malhado que era pertença do fora-da-lei.
O confronto iria realizar-se numa antiga mina, dois quilometros a Oeste da pequena aldeola abandonada. Os padrinhos cumprimentaram-se em gesto de fair play, entregando de seguida as armas aos seus afilhados. A tensão no ar era gritante. Ouvia-se apenas o vento e o chilrar dos pássaros ao longe.
Lucky Talk era o árbitro. Chamou pelos oponentes, pedindo que se pusessem costas com costas. Relembro que as costas do Stylish são a parte da frente de um ser humano normal. Os 10 passos foram dados, Pestana para a frente e Kid em marcha atrás, seguindo a vós de Talk:1…2…3…4…5…6…7…8…9…10. Depois um compasso de espera a que se seguiu a palavra de ordem: FOGO!! Pestana volta-se, Stylish também. Pestana eleva a pistola mirando a nuca de Stylish. No entanto o braço de Stylish já estava esticado por detrás das costas disparando primeiro. Pestana cai no chão inanimado. Não era um ferimento fatal, tinha sido um tiro intencional no ombro. No entanto o fora-da-lei detestava ver sangue, pelo que desmaiou.
A missão estava cumprida. O gang dos comancheros estava desfeito, Pestana a caminho da prisão, a justiça estava finalmente feita.
Depois dum almoço retemperador iniciou-se a viagem de regresso. Montados nos seus cavalos, com Peres Pestana atado e amordaçado a ser transportado pelo seu fiel padrinho de duelo, partiram na direcção de Glamour City.
Lucky Talk, que nunca tinha esquecido o seu sonho de se tornar uma estrela da música, quebra o silêncio da viagem propondo aos companheiros:
- E que tal se criássemos uma banda. Já provámos que temos talento. Eu estou farto de ser xerife, que me dizem?
- Posso ser o vosso manager? – perguntou entusiasmado Sparks.
- Porque não? – responderam em uníssono os dois índios (o falso e o verdadeiro), ignorando totalmente a pergunta de Sparks, que no entanto ficou convencido que a resposta tinha sido para ele.
- Eu acho uma óptima ideia – disse Stylish the Kid – estou farto de tiros, de guerras, de duelos. Esta, meus amigos, foi a minha última bala.


FIM

sexta-feira, setembro 16, 2005

A Última Bala – Episódio VII


Tinha-se a clara sensação que aqueles quatro indivíduos tocavam juntos há já muito tempo. A coordenação entre eles era absolutamente extraordinária. O ritmo imprimido pela lata de tintas de Stylish e pelas colheres de pau de Talk, a presença em palco de Seducer e a voz de puro glamour melodioso de Charm estavam a deixar a assistência à beira do êxtase. Tocaram-se temas conhecidos da senda country punk rockeira, intercalados por improvisações na área do Heavy West Metal, do Country Pop ou do Hip Hop and Away.
A noite começava a cair sem que alguém reparasse nisso. Entre canções, solos de colher de pau, anedotas, teatralizações e pequenas pausas para petiscadas, as horas iam passando, os nossos heróis iam ficando mais confiantes quanto ao sucesso da missão e também quanto às suas qualidades musicais, os comancheros estavam cada vez mais relaxados e bêbados. Tão relaxados que nem se aperceberam que agora no meio deles se encontrava um cowboy com a estrela de xerife ao peito. Era um indivíduo de sorriso largo, com vestes numa fusão entre estrela Disco dos anos 70 e um cowboy clássico saído dum filme com o John Wayne. Tinha uma pistola prateada, chapéu branco, camisa verde com golas a lembrar as orelhas do Dumbo, calças à boca-de-sino vermelhas, colete prateado cheia de brilhantes, sapatos de dança de salão.
Decorria um solo de colheres de pau, proporcionada por Lucky Talk, baseada no tema “ Zumba na Caneca”. A concentração do solista era total, até que olhando para o público viu o dito cowboy. Era Holiday Sparks, xerife de Mourish River. A auto-confiança e orgulho rapidamente se transformaram em pânico.
- Olha é o Lucky Talk – disse Sparks em voz alta mostrando admiração – Força Talk, força Talk allez allez. Talk rules!!!!!!!!!! Yehhhhhhhhhh.
Nunca a voz de Sparks tinha suado tão alta, tão ampliada. Os músicos pararam de tocar ficando imóveis como estátuas. Os comancheros mostraram-se confusos olhando uns para os outros com caras de admiração. Peres Pestana sentiu aquele nome entrar-lhe pela mente e pensou: “Lucky Talk?!. É o Xerife de Glamour City, o famoso cowboy marinheiro!!! Isto é uma emboscada.” Já em voz alta diz:
- Isto é uma emboscada! Eles não são músicos, a eles amigos! A eles!!!
A audiência estava incrédula. Olhavam uns para os outros, olhavam para os artistas, olhavam para o seu chefe. Não faziam a mínima ideia do que fazer. Sparks apercebendo-se do erro que tinha cometido, saltou para o palco e virando-se para o público disse:
- Ahhhhh… portanto… quer dizer…eu, é pá eu não tenho muito jeito para estas coisas, portanto passo a palavra ao Stylish.
Stylish levantou-se do banco onde se encontrava sentado e virando-se precisamente para o “back stage”, proferiu as seguintes palavras para aqueles fãs-comancheros que se encontravam na direcção oposta:
- Amigos: estamos aqui hoje porque essencialmente a vida trouxe-nos na direcção que nos fez aqui chegar. O senhor Peres Pestana, que respeito, é um grande trapaceiro e está a tentar enganar-vos. Diz ele que nós não somos aquilo que de facto somos e que vocês sabem que somos porque nós no fundo somos aquilo que sempre deveríamos ser. Nós somos o que a vida permite, porque simplesmente a vida permite que sejamos aquilo que ela é. Bla bla bla bla bla bla bla bla…
(E este discurso prosseguiu. É aqui que a versão livro toma um rumo diferente da versão Blog. No livro este discurso vai até ao capítulo final, chegando à página 448 das 450 páginas do mesmo. Mas como a versão aqui relatada é a do Blog… continuemos…)
Adivinhava-se o nascer do Sol quando o discurso de Stylish se deu por findado. Metade dos comancheros tinham entretanto adormecido, outros dois suicidaram-se, cinco mudaram de vida e juntaram-se à cruz vermelha, quatro partiram para Glamour City na esperança de comprarem um álbum com os temas que tinham ouvido, os restantes entraram num estado tal que se tornaram espantalhos profissionais em campos de milho.
Peres Pestana sentia-se derrotado, estava sozinho contra cinco indivíduos que queriam a sua pele. Em desespero proferiu:
- Cinco contra um! Não é justo. Proponho um duelo. Um contra um, como nos bons velhos tempos. Se eu vencer parto livre e se me matarem… levam-me e serão heróis nacionais.
- Eu não quero ser herói – disse Stylish acendendo um cigarro – eu só quero as gomas para o meu cavalo.

(continua)

quinta-feira, setembro 15, 2005

A Última Bala – Episódio VI


O esconderijo de Peres Pestana surgia finalmente no horizonte. Ao chegarem ao topo dum pequeno monte, vislumbrava-se a norte uma pequena povoação em ruínas. Um edifício de maior porte, branco e amarelo, de telha tipo lusa, com fumo saindo da chaminé, denunciava a presença dos comancheros. Era uma antiga escola primária.
Os disfarces para despistar os bandidos já estavam aplicados. Lucky Talk tinha-se desfeito da barba, do cachimbo e do chapéu de marinheiro, colocando uns enormes óculos escuros (por sinal bastante radicais) e o chapéu de um espantalho (a lembrar o de um feiticeiro) com quem se tinham cruzado entretanto. Búfalo Charm optou por se mascarar de índio, pintando a face e colocando uma pena presa por uma fita à cabeça. The Kid foi mais conservativo, vestindo apenas umas calças de ganga pretas e colocando uma mascarilha.
Charm, à medida que se aproximava da “toca do lobo”, sentia o seu coração a pulsar como que querendo sair do peito para fora. Não eram nervos motivados pelo receio duma batalha, ele adorava uma boa peleja, mas é que nunca tinha cantado para um grupo considerável de pessoas, temia que a voz lhe faltasse, que o público não gostasse da performance.
Em poucos minutos os nossos quatro cavaleiros tinham chegado ao seu destino. Perante a indiferença dos cerca de 30 indivíduos que por lá se encontravam, entraram no átrio da escola. Alguns bandidos jogavam às cartas, outros discutiam o jogo do fim-de-semana, outros ainda bajulavam um tipo gordo, de estatura média, com cerca de 40 anos, com vestes de cowboy mexicano, que se encontrava descontraidamente a jogar matraquilhos com outros três. Tratava-se de Peres Pestana, o líder dos malfeitores da região.
Perante tanta apatia Lucky Talk exclamou em voz alta:
- Maltinha, boa tarde a todos. Queríamos falar com o Sr. Peres Pestana se faz favor. Podem dizer-me onde ele está se não for incómodo?
De repente fez-se um silêncio medonho. Os olhares caíram sobre aquelas quatro figuras. A indiferença rapidamente se transformou em curiosidade que mais rapidamente ainda se transformou em escárnio.
- Eu sou o Peres Pestana – identificou-se o comanchero – O que querem 2 índios, o Zorro e o Feiticeiro de Oz do senhor destas terras? Olhem que nem eu sou produtor de cinema nem isto é Hollywood!
A risada foi total. Pareciam centenas e centenas de gralhas tal era o som que produziam aquelas poucas dezenas de foras-da-lei.
Foi complicado para os quatro companheiros conterem-se. Por pouco tinha sido ali iniciada uma batalha sangrenta. Mas o plano era outro.
- É apenas a nossa imagem de marca senhor – disse Lucky Talk mostrando um sorriso amarelo mal disfarçado – Nós somos uma banda de Country Punk Rock. Temos vindo em digressão por todo o Oeste. Ao passarmos vimos que havia por aqui movimento e então decidimos vir mostrar o nosso trabalho.
- Vieram ao sítio errado – replicou em tom grave Peres Pestana – Somos bandidos, comancheros, foras-da-lei. Não temos tempo para esse tipo de diversão. Estão com azar.
Pestana puxa da arma, em uníssono todos os outros bandidos sacam também de suas armas.
- Calma aí pessoal – disse Búfalo Charm mostrando confiança – então não querem primeiro ouvir o som e disparar depois? Vão ver que somos bons. Não vão querer outra coisa, hum?
Peres Pestana hesitou, respirou fundo e baixou a arma. De seguida deu ordem para que os outros fizessem o mesmo. Olhou para Búfalo Charm e disse com alguma desconfiança:
- Para índio palras muito bem. Vamos então ouvir o que têm para mostrar. Se gostar ficarão por aqui como bobos da corte, se me desagradarem servirão ainda hoje de lanche aos abutres.
Após uma breve troca de palavras para definir o alinhamento deu-se início ao concerto. Por momentos os quatro esqueceram-se do que ali estavam a fazer. Era apenas a música, a adrenalina do palco e o calor do público numa envolvencia mística.
(continua)

quarta-feira, setembro 14, 2005

A Última Bala – Episódio V


Os “dois tempos” rapidamente se transformaram em três, em quatro, em cinco tempos. O caminho “nunca de antes trilhado pelo homem branco”, estava coberto de latas de cerveja, caricas, beatas, papéis e caixas de preservativos vazias, ao melhor estilo da estrada para a Lagoa de Albufeira. Com o raiar do Sol e o silenciar das cigarras venceu-se finalmente a Montanha, tendo os nossos heróis chegado à planície do Pent and Ado.
A pausa para o pequeno-almoço serviu para o retemperamento de forças e para o delinear da estratégia. Os 4 cavaleiros tiveram que comer o que havia disponível nas suas sacolas e aquilo que a mãe natureza tinha para oferecer. Talk deliciou-se com uma sandes de torresmo e um carioca de limão, Stylish comeu um croissant com doce de ovos e bebeu um galão, Seducer devorou umas Estrelitas e leite Meio Gordo da Mimosa… fresco, Charm bebeu um café aquecido na fogueira e comeu umas pernitas de coelho bravo.
- Bem… mais uma horita e estamos lá. Já pensaram em alguma coisa, há algum plano? Como pensam apanhar o Peres? – Questionou Sitting Bull Seducer enquanto bebia o leite sobrante do fundo da tigela.
- Não há muito para pensar. O Stylish é apavorante com a pistola. O Charm não dá hipnoses com a carabina. Tu és índio portanto todos têm medo de ti. Eu… bem eu… eu sou um estilo, os comancheros olharão para mim e pensarão: “Porra, este tipo tem um ar bastante “cool” e ainda por cima traz uma espada, deixa-me mas é render-me antes que seja tarde demais” – explicou Lucky Talk.
- Não deixa de ser uma verdade inquestionável – referiu Stylish sentado numa cadeirinha de plástico, cruzando as pernas – no entanto seria bom delinearmos algo, um género de plano, nem que seja simplesmente uma orientação de ideias.
- E que tal isto: Chegamos lá, dizemos que somos uma banda de Country Punk Rock, cantamos, vemos quantos eles são, embebedamos os gajos e depois trazemos o Peres preso. Claro que o Stylish, eu e o Talk temos que ir mascarados, para não sermos reconhecidos – disse de forma sucinta Búfalo Charm.
- Parece-me uma boa ideia – disse Stylish the Kid.
- Sim, sim – confirmaram os outros dois, entusiasmados.
Com o estômago composto e o plano esboçado os quatro companheiros rumam agora para norte, a caminho do esconderijo de Peres Pestana.
O Sol já ia alto no céu, o calor começava a fazer-se sentir, nada de nuvens, nada de brisas, nada de sombras.
De repente Lucky Talk pára o cavalo e exclama em tom enervado:
- Porra pá. Com é que vamos fazer de Country Punk Rockers se não temos instrumentos musicais?
- Eu trago o meu pífaro e o meu bandolim – exclamou o índio Seducer.
- Eu trago uma lata de tinta vazia e dois pauzinhos chineses – disse Stylish the Kid.
- E eu venho sempre acompanhado do charme… da voz… e da minha gaita-de-beiços – referiu Búfalo Charm.
Com o semblante já modificado, expondo um largo sorriso Lucky Talk afirmou:
- Bem… pensando bem, eu trago duas colheres. E vocês sabem o som que se tira de duas colheres. Quando bem tocadas atingem níveis de criatividade musical elevadíssimos, grandes mestres utilizaram colheres nas maiores salas de música da Europa, inúmeros álbuns foram gravados, lembro-me daquela vez em que…bla bla bla bla bla bla bla bla – (e aos poucos toda aquela conversa foi sendo transformada, diluída, confundida com o som dos cascos dos cavalos, pelos ouvidos dos outros três companheiros).
(continua)

terça-feira, setembro 13, 2005

A Última Bala – Episódio IV


As montanhas de New Pinero eram um conjunto de montes mais ou menos elevados, cobertos de eucaliptos e arbustos, situados 40 quilómetros a noroeste de Glamour City. Os três cowboys rumavam na sua direcção em silêncio. Os seus rostos estavam impenetráveis como estátuas, os seus sentidos despertos, as suas mentes concentradas na tarefa que tinham para realizar. Anoitecia rapidamente, a brisa fria que soprava de sul indiciava a queda de temperatura.
Uma nuvem de fumo, por detrás dum pequeno morro, quebra repentinamente a rotina instalada. As palavras proferidas por Lucky Talk fizeram baixar a guarda dos outros dois companheiros:
- Chegámos. É ele, o nosso guia.
Há já algum tempo que Sitting Bull Seducer tinha escutado os cascos dos cavalos. Manteve-se calmo, em meditação, junto à sua fogueira, prosseguindo com o seu ritual. Sitting era índio, um puro autóctone daquelas paragens. O seu cabelo era rapado com crista preta no meio, vestia um colete de cabedal sobre o tronco, umas calças de fato de treino pretas, chinelos e tinha uma tatuagem dum leão no ombro direito. Ao sentir os cavalos pararem a menos de 20 metros de si permaneceu sentado, de costas, em silêncio, fumando erva do seu canudo de 30 milímetros de diâmetro, com 50 cm de comprimento.
- Saudações, nobre Chefe – Disse Lucky Talk em voz alta – Estes são os meus amigos Búfalo Charm e Stylish the Kid. E este – Referiu de forma quase teatral, virando-se para os dois companheiros – É o grande Sitting Bull Seducer, o último dos Moca-Canos.
Girando o corpo 90 graus, permanecendo sentado e ficando de lado para os três cowboys, Sitting Bull mira os visitantes.
- Sim senhor. Parecem os Três Estarolas. Para virem chatear o índio a esta hora do dia é porque querem alguma coisa…- Disse Sitting Bull sem papas na língua.
Lucky Talk segura Búfalo Charm evitando o início duma contenda. Depois mostrando-se um negociador nato abre o jogo:
- Grande Chefe, precisamos de um guia, queremos chegar ao esconderijo do Peres Pestana, um conhecido e terrível comanchero. Eu sei que tu sabes o caminho. Leva-nos lá, dar-te-emos o que pedires.
- Eu sei quem é esse estupor. Mas não, não vou levá-los lá. Até simpatizo contigo e com esse que está ai de costas, agora o pequenote… é irritante. Não vos levo lá.
Búfalo Charm salta na direcção do índio impelido por uma raiva louca. Desta vez é The Kid que o segura.
Lucky Talk, movido pela vontade de fazer justiça não se deixa intimidar pela intransigência de Seducer e volta à carga:
- Vá lá grande chefe, se fores connosco eu prometo que compro uma tesoura e mando alguém cortar-te os pêlos do nariz.
- Prometes?! – Perguntou o índio com um sorriso de esperança infantil.
- Sim nobre Sitting Bull, prometo, palavra de Xerife.
Negócio fechado. De três companheiros se fizeram quatro. Nem pernoitaram, arrancando na direcção das montanhas.
- Conheço um caminho que nenhum homem branco trilhou. Vai levar-nos ao esconderijo do Peres em dois tempos – Informou Sitting Bull Seducer já perfeitamente compenetrado na missão.
- Olha lá – perguntou em surdina Charm a Talk – Vais mesmo comprar uma tesoura para cortar os pêlos do nariz ao gajo?
- Vamos acreditar que existem lâminas capazes desse feito.

(continua)

segunda-feira, setembro 12, 2005

A Última Bala – Episódio III


Ao desdobrar aquela folha encardida e amarrotada, Talk reconheceu de imediato o autor dos rabiscos que ali tinham sido depositados de forma aparentemente aleatória. Entre uma receita de sonhos de cenoura e a letra duma cantiga dos Back Street Bulls, encontrava-se uma mensagem enviada pelo Xerife de Moorish River para o Comandante do Forte de Dio Farming City. O Xerife de Moorish River era amigo de Talk, um velho companheiro de guerras, de farras, de petiscadas em inúmeras tascas do Oeste. Stylish tinha as suas influências no Forte, tendo conseguido uma cópia do dito manuscrito.
Camuflada entre despautérios, bonequitos e jogos do galo, podia decifrar-se o seguinte na mensagem: “Informo o Cumandante do Forte que adequiri um mandato de busca sobre o Péres Pestana. Se poderem apanheim o gajo.”
- Não posso crer!!! – Disse espantado Lucky Talk ao ler a mensagem.
- Estás a ver. Então, agora já temos provas?! - Perguntou de forma impaciente Búfalo Charm.
- Sim… mas não é isso. Não posso crer que este trambolho com dois olhos continue a escrever tão mal!!!!!. Sabem é que eu sou amigo de longa data do Holiday Sparks, Xerife de Moorish River, conheço a personagem desde os tempos em que ainda comunicávamos por sinais de fumos.
- A grande especialidade do Sparks é a pistola e a construção de marquises em alumínio, não nasceu para escriba, dactilógrafo ou romancista – Afirmou Stylish com um sorriso nos lábios perceptível pelo mexer das orelhas e pelo enrugar da nuca, mostrando conhecer o Xerife Sparks.
- Bem mas o que interessa é que com isto podemos agarrar o Peres. Vamos atrás dele – Disse de forma entusiasmada Lucky Talk.
- Vamos a isso!! – Respondem em uníssono os outros dois cowboys.
Colocando as pistolas à cintura e a espada medieval às costas, Lucky Talk arranca apressado pelas escadas a baixo. Os outros dois companheiros seguem-no sem perder tempo. Poucos minutos depois apenas se avistava a poeira deixada pelo trote dos cavalos, lá bem longe a noroeste de Glamour City. O esconderijo do comanchero situava-se nas ruínas duma escola primária, de estilo estado novo, para lá das Montanhas de New Pinero, território índio. Essa situação trazia alguma apreensão a Lucky Talk, isso e o facto de nem ele nem nenhum dos outros saberem o caminho.
- Pessoal… é o seguinte…(engasgando-se) nenhum de nós sabe como chegar ao esconderijo do Peres. Então eu acho que precisamos dum guia.
- O quê? Então tu és xerife e não sabes o caminho pá? – disse Charm denotando alguma irritação.
- Não pá. E tu, não és um guia?!! Também não sabes pá…tu também não sabes!!!!! – Defendeu-se Talk um pouco envergonhado com a situação – Eu conheço o tipo indicado, vai levar-nos lá. Trata-se dum velho conhecido. Um índio que conhece o território como a palma das suas mãos.
- Um índio?!! – Perguntou indignado Búfalo Charme.
- Sim pá. Porra pá. Há algum problema?!! – Respondeu Talk já completamente azedo.
Tentando por água na fervura, Stylish the Kid arrematou:
- Então… ainda bem que é um índio. Já temos cowboys, para isto ser um Western à séria já só faltam mesmo os índios.

(continua)

sábado, setembro 10, 2005

A Última Bala – Episódio II


Glamour City era uma pequena cidade do longínquo Oeste, limitada a duas ruas principais perpendiculares que formavam uma cruz. O local mais movimento era a Rua Direita, lugar onde pontificava o comércio de tecidos, especiarias e outras iguarias como tremoços, amendoins, queijo da Serra e alfarrobas. Era nesta rua que se situava o saloon.
The Kid e Búfalo Charm tiveram que percorrer cerca de 70 metros até chegarem ao cruzamento das duas ruas. Numa das esquinas, em frente à barbearia surgia imponente o edifício para o qual se dirigiam. No rés-do-chão existia um Restaurante Chinês com uma porta em alumínio lacado e montra de vidro fosco com caracteres chineses indecifráveis aos olhos ocidentais. No primeiro andar situava-se o Posto do Xerife. Uma porta de ferro semi-aberta, situada na fachada sem montra, com um letreiro dizendo Departamento do Xerife – Glamour City, dava acesso a uma escadaria de madeira. No topo das escadas, um open space de 40 metros quadrados. Sentado num enorme puff branco, junto a uma janela com vista para o deserto, encontrava-se Lucky Talk, o Xerife.
Embora estivesse sentado, notava-se que Talk era um homem bastante alto. O seu estilo era um misto de Capitão Iglo e Roy Rogers. Chapéu de marinheiro, colete preto, lenço, camisa azul clara, botas de cavaleiro doiradas, cachimbo adornado com efeitos de arte manuelina, barda de duas semanas. Estranhamente não se mostrou surpreso com a chegada dos dois cowboys.
- Bem-vindos ao meu modesto gabinete. Já faz alguns anos que não te via Kid. Que te fez vir aqui? Diz-me … estou curioso – Avançou Lucky Talk.
- Achei que me podias ajudar, em nome dos velhos tempos. Espero que não te tenhas esquecido do tipo que te ensinou a montar a cavalo, antes de te tornares cowboy, quando eras ainda um rapaz que sonhava em formar uma banda de Country Punk Rock.
Búfalo Charm mostrou-se surpreendido engasgando-se com a pastilha de nicotina que mascava, Lucky Talk riu à gargalhada elevando os pés e quase dando a cambalhota no puff. Passando alguns segundos respondeu-lhe:
- Ainda persigo esse sonho Kid. Em que te posso ajudar? Não me digas que estacionaste o cavalo em cima do passeio e queres que te perdoe a multa!
- Nada disso – retorquiu Stylish the Kid – Quero apanhar um comanchero de nome Peres Pestana, ele trapaceou-me. Só te peço para não te meteres no meio, é que a coisa vai ficar preta.
O semblante do Xerife ficou subitamente carregado. Charm apercebendo-se disso e antes que ele dissesse algo lançou a farpa:
- Não faças essa cara Talk. Onde está o tipo que em tempos desafiou a lei, fazendo o moonwalking dance do famoso músico Mike “Bonanza” Jackson, em plena parada do Forte del Plata, durante o juramento de bandeira? Tu já foste um rebelde, amigo.
- Isso foi noutros tempos pá. Eu detesto o Peres Pestana tanto quanto vocês, mas e as provas? Há meses que tento apanhá-lo. Todos sabem que ele é o chefe do contrabando de pêra Rocha e cereja da Beira em todo o Oeste, mas ainda não conseguimos reunir as provas suficientes para indiciá-lo.
- Provas? Eu dou-te as provas. Aqui as tens – Estendendo o braço por detrás das costas, the Kid entregou uns papéis em folha A4 quadriculada ao Lucky Talk – São provas irrefutáveis. Trago-as comigo desde Dio Farming City.
Olhando para aquela folha rabiscada Talk esboçou um sorriso de esperança e contentamento.

(continua)

quinta-feira, setembro 08, 2005

A Última Bala – Episódio I


O saloon era como todos os saloons. O soalho de madeira, a escada que nos leva ao “paraíso”, o bar com a caleira do cuspe cheia como um rio no Inverno, o piano, as mesas da batota, os quadros com nós de marinheiro pendurados nas paredes, os calendários de senhoras desnudadas. A entrada de Stylish the Kid encheu de inquietude todos aqueles que se encontravam no saloon. Os batoteiros estremeceram de medo, parando a jogatana, os “comancheros” locais largaram os copos de whisky importado, as bailarinas/concubinas sentiram os corações a bater mais intensamente, o piano deixou de tocar. Stylish tinha a fama de grande pistoleiro. O seu estilo inconfundível e perturbador causara um impacto brutal na memória colectiva do Oeste. Enfrentava sempre os seus inimigos de costas, sem os olhar nos olhos. Aliás, era assim que andava, montava a cavalo, bebia a sua água ardente, limpava a arma, lia a Bíblia. As suas vestes eram dum estilo Oeste-punk-rockeiro. Vestia-se todo de negro, de calções pelo joelho, camisa por fora, gabardina até aos pés, chapéu de cowboy e botas de camurça.
Mas houve quem não se tivesse apercebido da sua chegada. Búfalo Charm encontrava-se sentado numa mesa lendo um manuscrito, bebendo uma laranjada e comendo um bolo de arroz. Este era um típico cowboy, as patilhas, a samarra castanha, as calças de bombazina cinzentas, o sombrero amarelo, os dois cigarros na boca.
Stylish aproximou-se de Charm, ignorando os olhares apreensivos que o seguiam e disse:
- Então já não se fala aos amigos?
Búfalo Charm olhou-o e replicou:
- Estás a falar comigo? Bem deves estar… não estás de costas para mais ninguém! Que te trás por cá Kid?
- Ajuste de contas. As dívidas são para ser pagas. Em tempos um tal de Peres Pestana contratou-me para um serviço, queria que eu abatesse dois perus que não paravam de o chatear, em troca eu receberia um saco de gomas e dois fardos de palha.
- Gostas de gomas?!
- Não. As gomas são para o cavalo. Bem…o trabalho foi feito e recebi apenas os fardos de palha. Venho buscar as gomas, detesto que maltratem o meu cavalo.
- Bem amigo Stylish Kid… aqueles comancheros que estão ali borrados de terror a olhar para nós são lacaios do Pestana, ele brevemente saberá da tua presença. Podes contar comigo mas temos um problema…
- Qual Charm?
- O xerife cá de Glamour City é um velho conhecido nosso, o Lucky Talk. E tu sabes como é ele com estas coisas da lei e da justiça, é um atadinho, sempre a cumprir a lei …sempre a cumprir a lei!!!
- Vamos lá então falar com o nosso amigo xerife.

(continua)

quarta-feira, setembro 07, 2005

Receitas com Chispes – A minha candidatura à Presidência e outras histórias

Ver o olhar desiludido do Zé (Caxias) quando soube desta minha loucura fez-me pensar em recuar. Vê-lo a abraçar-me após ouvir as explicações deu-me um novo alento.
É sem dúvida o maior passo que alguma vez dei. Só comparável a um outro desvario que fiz nos meus tempos de juventude. Corria o louco mês de Julho de 1986. As férias eram passadas na praia do Alburrica, no Barreiro. Durante as horas de ponta, a passagem dos Barcos do Barreiro proporcionavam a prática do surf e outros desportos da onda como o jacaré ou o caixote surf. Eu era mestre no jacaré. Aproveitando a generosa contribuição da natureza em relação aos meus pés (que as gentes apelidavam carinhosamente de “os Tollans do Alburrica”) enfrentava a ondulação com o próprio corpo realizando manobras bastante radicais. Ouve quem tivesse reparado na minha habilidade. Um tal de Rodrigo Quintais, descobridor de talentos, agente, empresário da noite. Propôs-me uma digressão pelas praias da zona. Durante semanas fui uma celebridade, Praia dos Tesos, Rosarinho, Barra-a-barra, Cais da Moita, Salinas do Xangai, Recosta, foi um “ver se te houvesses”. Mas Quintais veio a revelar-se um burlão, é como diz o Povo: “A quem vê caras não se olha o dente”. Fugiu com o dinheiro para o off shore da Trafaria e até hoje não lhe voltei a pôr as orelhas em cima.
Mas hoje o desafio é diferente, esperam muito de mim. Já não são os meus pés peludos e colossais que estão no centro das atenções. Aceito este desafio de me candidatar à Presidência da República porque acho que posso mudar algo. Acredito em mim e naqueles que me apoiam. Deixo-vos com algumas propostas eleitorais:

1 - Vinho é cultura. IVA à taxa de 5% para o vinho tinto, vinho verde, água-pé e cerveja quando acompanhada por caracóis;

2 - Ilha do Rato a Estado Independente;

3 - Exportação e Proliferação das Tabernas Portuguesas pelo Mundo (ao ritmo das viagens presidenciais);

4 - Ligação do TGV entre Gare do Oriente/Ilha do Rato/Tasca do Azedo (Bairro das Palmeiras);

5 - Introdução do dominó como desporto nas escolas secundárias e do fado como disciplina obrigatória na escola primária;

6 - Os deputados da Assembleia da República serão obrigados a realizar diariamente 4 horas extra de trabalho comunitário, dentro de uma das seguintes 3 possibilidades:

  • Fazer Break Dance ao ritmo de músicas Hip Hop nacionais, perante as câmaras das televisões, em directo do pavilhão Atlântico completamente cheio;
  • Fazer a dança do comboio em plena Av. da Liberdade em Lisboa ao som do “Apita o Comboio” tocado ao vivo pelos i-glamour;
  • Dirigirem-se à capital de Distrito que os elegeu e guiarem um táxi (de borla) sem recorrerem ao Guia da Cidade, metendo conversa com os clientes sobre o estado da nação, os fogos de Verão e claro, o futebol;

De resto, já sabem… Licínio Chispes a Presidente.

segunda-feira, setembro 05, 2005

As dicas de Pedrito Bodega - Entifada Party Nights


Fotografia do Sheik/DJ Abdul "Desert Raver" Salah, obtida por Pedrito Bodega


Diário dum Investigador – 18 de Setembro, 2004, algures no Irão

Perdido na noite gélida do deserto iraniano, dei por mim a pensar o que me teria passado pela cabeça. Desconfiado da autenticidade da proclamada descoberta do Graal, nas catapultas do Castelo de Tomar, decidi encetar a viagem em sua busca nas ermas terras do Irão. Sempre pus em causa essa descoberta. Afinal que lógica teria o Graal ser uma caderneta de cromos do México 86? Ainda mais, sendo a caderneta incompleta, sem os cromos do Carlos Manuel e do Brutagueno. Era ilógico. Seguindo pistas irrefutáveis, espelhadas em canhenhos de inimaginável seriedade intelectual, que adquiri no Intermarchet da Moita, parti para o Médio Oriente convicto das ideias que levava no pensamento. Com a triste realidade do frio nocturno, da solidão e com as saudades da sardinha assada comecei a sentir-me pesaroso, cansado, afogado em dúvidas, atormentado pela quebra da fé. Até que aconteceu algo de uma verdadeira “extraordinariadade”. Ao longe, a sudoeste donde me encontrava, comecei a vislumbrar uma grande fogueira centrada, em seu torno um círculo gigantesco de pequenas fogueiras. Ouviu-se então uma batida forte e louca. Uma voz começou a proclamar cânticos em arabesco ancestral: “nanananananananae nanananananana”. Ao aproximar-me reparei em dezenas de indivíduos com vestes muçulmanas, munidos de metralhadoras elevadas num braço e garrafas de água do Caramulo debaixo do outro braço, gritando e dançando como se a sua vida dependesse disso. É então que oiço numa língua familiar a tal voz cantando: “In a while maybe you remember, when we met on the beach, when you showed me the way…” e ainda noutra língua ainda mais familiar: “quiero ver, un poco de tu boca quiero estar, en tu piel con tu perfumo de miel”. Era um misto de linguagem castelhana, anglo-saxónica e autóctone ancestral. Tratava-se da louca desbunda sarracena. Uma diversão das mil e uma noites. Sem Graal, mas de coração aconchegado, parti de regresso à pátria Lusitana.

quinta-feira, setembro 01, 2005

As crónicas de Zé Caxias – O Regresso e a Tasca Force

Estive afastado das lides. Por muito tempo, talvez até demasiado tempo. É bom descansar à beira-mar, ver as vistas, apanhar banhos de sol, molhar os dedos dos pés (procurando a cura para as micoses) nas cândidas águas de Armação de Pêra. Mas nada mais há como o regresso a casa, ver o sorriso das gentes, sentir o cheiro que nos trás a maré-baixa, reentrar na problemática geopolítica da região. E depois é bom ver os amigos. Sentir que eles nos apoiam.
No entanto o caloroso abraço com que Licínio Chispes me recebeu trazia água no bico. Algo me deixou intrigado. Que quereria aquele colosso humano, cuja sensibilidade demonstrada até ao momento se limitava ao poderoso aperto de mão capaz de descascar dez nozes numa assentada, ou à sua conhecida palmada nas costas, famosa por fazer voar dentaduras e capachinhos?
A resposta a esta pergunta chegou como uma bomba assim que penetrei na sala VIP da tasca do Azedo. Uma comitiva de cidadãos aguardava-me para uma reunião urgente. A sala, decorada com recortes de jornais desportivos antigos e de revistas cor-de-rosa, mantém o cheiro característico de outros tempos, quando os operários das fábricas da zona vinham aqui procurar refúgio entre turnos, jogando à batota e tomando refeições ligeiras. Estavam lá todos, a amizade e o vinho tinto têm destas coisas, unem indivíduos à volta duma mesa. Juntos formavam uma Tasca Force poderosíssima: “Facadas”, Azedo, Butongo, o próprio Chispes, Crazy Charm, Talk Talk e tantos outros. O assunto: Licínio Chispes tinha tomado a decisão de se candidatar à Presidência da República. Confesso que até fiquei mal disposto. Os almareios ainda pioraram quando dei conta que toda aquela gente o apoiava. Queriam a minha bênção. De mim, um monárquico, arauto da luta pela Independência da Ilha do Rato. A explicação do “Facadas”, referindo que até pode ser bom para a causa a eleição do Chispes como Presidente da República e a caneca de bagaço que ingeri, lá me deixaram recomposto. Afinal desejamos sempre o melhor para os nossos amigos, não é verdade?