Aqui fica mais uma história do grande mestre da sedução. Desta vez partilho com todos os i-glamouricos um brilhante relato feito pelo próprio Tom Waits. É um documento essencial para quem quer conhecer as raízes mais profundas do charme e do glamour. Corria o ano de 1971 e o Mr. Waits era ainda um jovem...
Acordei com uma valente dor de cabeça. E isso não foi o pior...havia no ar uma fragrância a queijo de Azeitão. “mas que raio...sulfato de peúga? Mas o meu outro par de meias está a enxugar desde terça-feira?!” e de súbito ao virar-me dei com alguém deitado ao meu lado. “Meu Santo Charme!!!! Como é que isto aqui veio parar?!”. Deitada que nem uma bela adormecida na minha cama estava uma mulher enorme. Comecei a recordar a noite anterior...uns copos a mais no bar...e o engate foi inevitável. Mas desta vez tinha sido demais. Todo o homem sonha ir com duas tipas para a cama...agora ir com uma que faz duas... isso já é outra história. Tinha um pacote que fazia lembrar os silos da Trafaria. “Tom, tom...que te sirva de lição, acabaram-se as garrafinhas de água das pedras e os suminhos de laranja...pois o resultado é o que está à vista...ou antes, o que não está à vista”. A mulher era enorme. Tomei um banho de água gelada e para não sair em jejum emborquei uma bela sandes de coirato. Quando finalmente consegui encontrar a porta da rua, olhei para trás e pensei “Parece o Tollan...adormecido junto ao Cais das Colunas!!!”.
Ao sair de casa fui ao café mais próximo e dei de caras com o meu grande amigo Ray Charles. Tinha vindo à rua comprar um champô para o cão que estava com uma crise de pulgas tal, que agora passava as tardes a cacarejar que nem uma galinha. Quando íamos a sair do café um tipo meio alucinado com uma caixa de papelão nas mãos foi de encontro a nós e caímos os 3 no chão. O conteúdo do caixote ficou espalhado pelo chão e por cima de nós. Vi-me rodeado de pequenas garrafas de plástico e com a bengala do Ray a fazer-me cócegas no cagueiro. Levantei-me e compus o ramalhete enquanto ajudava o Ray a pôr-se de pé. Ajudamos o pobre homem que pedindo desculpa seguiu caminho, tal como nós.
Passei o resto dia a coçar o cú pelas esquinas de Nova Iorque e o dia foi chegando ao fim. Estava com uma valente comichão na cachimónia e resolvi parar no quiosque do Mr. Klein para comparar um tónico capilar. O quiosque do Mr. Klein vendia de tudo, desde jornais e revistas, tabaco, pequenas peças de roupa (confeccionadas pela mulher do próprio) e mais recentemente começava a vender produtos de beleza. Era um bom homem...mas cá para mim tinha a rosca moída. “Mr. Klein, como está?” “Sr. Tom, é desta que lhe convenço a comprar uma gravata? “Ainda não...vinha à procura de um tónico capilar...qualquer coisa que me fizesse parar esta terrível comichão na cabeça!!” “Tenho aqui o produto ideal para si. É fabrico caseiro de um tipo que conheço há já alguns anos e que vende para farmácias e tudo...é garantido” “Veja lá...o que me está a vender.” “Eu próprio uso e veja como está forte e saudável a minha penugem”. Hesitei mas lá acabei por comprar o tal unguento.
Segui o meu caminho para o bar onde tocava às quintas-feiras à noite, era um bar de jazz...”O trompete engasgado” dirigido por um escocês e pela sua mulher, uma espanhola da Andaluzia – que às sextas-feiras fazia uns shows de sevilhanas. Durante o resto da semana o bar era uma mercearia com bastante clientela, pois vendia fiado.
Mr. Foles do clã McGayta, era o gerente. Um tipo sempre bem-humorado mas muito pouco inteligente, digo isto porque a dada altura, conseguiu perder um jogo de xadrez em 5 lances com um repolho, que ele próprio desafiou. Para além do bar, Mr. Foles tinha um part-time do qual se orgulhava muito. Dizia “Frequento a universidade de Nova Iorque, sou o cacifo n.º 217 do departamento de matemática, todos os dias, das 14:30 às 18:30.”
Pedi o habitual, o néctar que me encorajava, pois ficava sempre nervoso, antes do encontro com o meu velho amigo, o piano. “O habitual, Tom?”, “Sim”, respondi eu. Foi o próprio Mr. Foles que me serviu. Um copo alto de vodka com 3 rodelas de limão e 2 pastilhas de Calgon. “Poupe a vida da sua máquina com Calgon” e desde então tomava sempre 2 pastilhas. Sentia-me bem...se bem que andava com o ponteiro frequentemente dorido e tinha as cuecas quase sempre pintadas à pistola tal era a força das farpas que o meu cagueiro arrotava.
Quando ia a começar a beber, o porteiro do bar chamou-me. Era o Sr. Mikhail, um russo com uma farta cabeleira, que havia emigrado para a América mas que tinha aspirações em voltar ao seu país e ser uma pessoa famosa. “Tem aquilo que lhe pedi Sr. Waits?”, perguntou-me ele. Já quase me esquecia...havia falado ao Sr. Mikhail de um guião que eu tinha escrito para o TV Rural aqui à uns tempos e tinha sido recusado. O guião falava de um modo revolucionário de rotação de culturas. Nomeadamente da plantação de beterrabas em canteiros de cebolas. Chamei-lhe “Ó Peres Troca!!!”. O Sr. Mikhail tinha ficado fascinado e queria ler o tal guião para implementar essa técnica no seu terreno em Minsk, quando voltasse à terra natal. “Aqui tem Sr. Mikhail, fique com ele. Mas veja lá não confunda cagalhões com nespras. E não faça tudo ao contrário...siga as indicações à risca”. Não era um grande conhecedor da língua inglesa o Sr. Mikhail. “Muito obrigado, Sr. Tom”. Entreguei-lhe o embrulho onde havia colocado o guião e também o tónico capilar...que me havia esquecido completamente.
Ao regressar ao balcão encontrei um tipo muito atrapalhado e agarrado à garganta e a pedir água...ao que parece havia bebido, por engano, a minha Vodka com Calgon e estava em evidentes apuros. A mulher de Mr. Foles a espanhola Maria, atirou um balde de água para cima do desgraçado...aparentemente ficou mais aliviado. Só então vi quem era, era um dos irmãos Gees, 3 tipos que costumavam actuar no karaoke que tinha início antes do meu espectáculo. Saiu a protestar com toda a gente a dizer que lhe haviam tentado envenenar. “Óh meu caro amigo veja lá como fala...você é que confundiu o género humano com o Manuel Germano, quem é que lhe mandou beber coisas para homens de barba rija". Uma coisa reparei, a sua voz ficou muito fininha...
Finalmente pude começar a tocar. Quando já ia na 3ª música da noite, vejo pelo canto do olho, alguém a correr vindo da casa de banho. Era Maria que voltou depois para lá, com um balde de água. Fiquei intrigado e na pausa do meu espectáculo fui investigar o porquê de tal correria. O Sr. Mikhail estava agarrado à cabeça...e para meu espanto estava completamente careca e coçava a cabeça que nem o doido...e tinha já uma grande mancha avermelhada do lado direito da mona. “Sr. Tom, olhe olhe o que me aconteceu...” lembrei-me do capilar. O Sr. Mikhail apontou-me para o frasco vazio... olhei com mais atenção...e só então vi em letras meio sumidas: “Quitoso - Anti-parasitas para cães.” “Mas...como é que..."lembrei-me do encontro com o Ray Charles de manhã...e o encontrão com o tipo do caixote...os frascos pelo chão...a loja do Mr. Klein”. Fazia sentido...o tipo com quem choquei era o fornecedor do Mr. Klein e havia acontecido uma troca de frascos...”Que dia!!!!”
Há dias assim...aconteceu mais tarde que o Mr. Klein viria a ser um famoso costureiro. E os irmãos Gees fizeram sucesso à custa do vodka com calgon e que o Sr. Mikhail viria a famoso no seu país. Mas o dia ainda não havia acabado e quando cheguei a casa e ao acender a luz...tive uma das mais bizarras visões da minha vida...Ray Charles estava sentado na cama e tinha um sorriso enorme no rosto e a prostituta imitava um piano, no qual o meu amigo julgava estar a tocar...junto à janela estava aquilo que me pareceu uma peruca a cacarejar!!!!!!!!
“Tom...tens aqui um belo piano. Só precisa de umas afinadelas...e vê lá se arrumas o queijo na caixa...”
quinta-feira, março 31, 2005
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